Quando
chegou o período das Guerras por petróleo, era a vez de Gustavo partir para o
campo de batalha: estava determinado a seguir os passos de cada um de seus
antepassados e assim embarcou para o Oriente Médio, com o único desejo de fazer
a diferença. E, em meios aos conflitos por aquele óleo que tinha se tornado
indispensável para gerar a energia que movia o mundo, ele viu morrer mulheres,
crianças, soldados, homens inocentes e nem tanto assim. Suas próprias mãos não
ficaram livres do espesso líquido vermelho que escorria não só de seus
inimigos, mas também de seus companheiros feridos em conflitos.
Após
diversos anos naquela batalha travada sem conhecer a fundo o inimigo, Gustavo
chegou à mais alta posição já ocupada por um membro de sua família, todavia ao
em vez de sair para comemorar este preferiu tomar o turno da noite e respirar
um pouco do fresco ar noturno. Em uma de suas voltas, porém, ele foi
surpreendido por um par de olhos que o observavam da escuridão. Com o susto,
seus instintos colocaram-se em alerta. De um salto sacou a arma e imobilizou a
criatura a sua frente. Mas não contava que os olhos eram de uma criança que
repetia em sussurros: “água, água, água”. Transtornado pela visão da inocência
infantil transfigurada pela sede ele tomou a pequena figura nos braços e levou
para dentro do alojamento. Depois de receber os cuidados necessários o menino,
batizado Zafir, explicou sua situação: sua família foi morta injustamente por
soldados e ele conseguiu escapar, mas não para longe o suficiente.
Foi
então que Gustavo compreendeu os estragos que aquele conflito trazia para a
terra já árida do Oriente e resolveu ir embora. Mas não sem antes tornar Zafir
um membro da família Pássaro e com ele narrar a história da busca pelo líquido
negro e suas consequências: pobreza, tristeza, fome, sede... Esses relatos
tornaram-se um livro, publicado tão logo a chegada em solo brasileiro.
E os
séculos se passaram. Aos poucos o militarismo ficou apenas na memória daquela
família, que se voltara para diversas áreas depois do incidente de Gustavo, mas
sem nunca perder o prestígio no que quer que fizessem. A história da criança
adotada na Guerra e como um gole de água foi capaz de mudar tudo era
constantemente lembrada em jantares de família. Era quase um elo que unia a
todos os presentes. Até que algo estranho aconteceu e a família voltou para os
campos de batalha.
Uma
carta chegou lacrada com um selo vermelho, e endereçava-se a Lúcia, a jovem
médica que carregava, no momento, as honras da família: ela era convocada para
ajudar aos exilados que chegavam ao Brasil. Mas de onde eles vinham? Por que
precisavam de tanto auxílio? As respostas apareceram assim que os elegantes
saltos da doutora chegaram ao alojamento: peles secas e a avidez com que cada
gole de água era tomado ela pode perceber que a medonha profecia feita por seu
antepassado tornara-se real: a guerra da água começava, e não tinha previsão de
fim.
E assim
a família Pássaro voltou à guerra, dessa vez em sua própria nação, defendendo o
líquido que uma vez tinha sido sinal de paz entre eles, e agora tingia-se do
sangue derramado.
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