sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Mentira ou poesia?

Paulo tinha fama de mentiroso, por contar aos outros histórias que somente ele via. Um dia chegou em casa dizendo que encontrara, no campo, dois dragões-da-independência cuspindo fogo e lendo fotonovela; tempos depois trouxe outra história: provara um pedaço da Lua e esta tinha gosto de queijo; por fim contou que borboletas queriam formar um tapete e leva-lo aos céus. A mãe, muito preocupada, tentou de tudo um pouco: desde longos sermões até alguns castigos, e sem mais nenhuma ideia recorreu à medicina e, depois de alguns exames, este foi o veredito: "não há nada a fazer. Este menino é caso de poesia."
A mãe, muito animada, começou a anotar tudo o que o menino contava, na esperança de que um dia seu filho virasse poeta e usasse em poesia tudo aquilo o que dizia. Mas o tempo foi passando: inverno virou verão, e o menino criativo aos poucos perdeu a mão. Suas palavras viraram números e aos poucos ele mudou de poeta a engenheiro, buscando apenas nas contas sua satisfação.
Muito sucesso ele fez, mas se esqueceu da infância, em que sua maior alegria era pensar bobagem em rima. Se tornou um homem duro, sem imaginação, vivia em uma rotina de eterna monotomia. As pessoas se afastavam daquela rude alma que nada lembrava Paulo de outrora. Apenas a mãe tentava amolecer-lhe o coração com as antigas poesias.
Até que em um momento Paulo trocou de humor: da seriedade costumeira, um belo sorriso brotou. E quando todos perguntavam o motivo dessa alegria ele se limitava a dizer "um anjo desceu do céu e me deu as suas asas e assim pude voar a terra desconhecidas, onde apenas o amor reina em eterna alegria."

Baseado em: "A incapacidade de ser verdadeiro" de Carlos Drummond de Andrade

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