
Sua filha deu-lhe de presente, aos sessenta anos, um daqueles radinhos de pilha, na esperança de que, ouvindo rádio o dia inteiro, ela deixasse de lado aquele hábito. Não funcionou. Dois anos depois, seus netos lhe presentearam com um celular para que ela ouvisse rádio com fone de ouvido quando fosse à padaria, ao mercado, ao cursinho de francês, e ela assim o fez. Porém, continuou a sentar-se na mesma poltrona, no mesmo horário, sintonizando a mesma rádio, no mesmo aparelho que tinha sido de seu pai.
A música mudou: agora era um ópera que tocava, levando Ana Maria para aquele 7 de setembro de 1922. Ela sorriu ao lembrar-se da animação de seu pai ao ouvir sair pela primeira vez, como mágica, palavras daquela caixinha preta chamada rádio. Sentiu a mesma alegria juvenil ao relembrar-se de sua mãe dançando com ela na sala, enquanto o pai batia palmas no ritmo da mesma música que agora aquecia seu coração. A canção mudou, trazendo também os próximos acontecimentos daquela noite: uma batida na porta, seu irmão correndo a atender, um homem estranho adentrando a sala: "É um assalto!", ele anuncia, erguendo a arma em direção à sua mãe. O tempo, então, parece desacelerar enquanto seu pai se lançava contra o homem. Ouve-se dois tiros sobrepor o som do rádio: sangue, o grito de sua mãe, o homem correndo para fora sem levar nada, o sorriso de seu pai e as últimas palavras: "Amo vocês, escutem essa canção por mim!"
- Vovó? Por que a senhora está chorando? - uma voz infantil trouxe a senhora de volta a realidade, sorrindo e secando uma lágrima que escorria por sua bochecha.
- Não é nada Juliana! - Ana Maria desligou o rádio enquanto levantava - Apenas as lembranças que este rádio traz. Ele foi a última alegria de seu bisavô.
E dito isso deixou a sala, na parede o calendário marcava 7 de setembro. Naquela noite não ouve tiro, nem grito e nem assalto, apenas o som da velha canção entoada pela velha Ana, enquanto depositava uma rosa branca sobre o rádio: "Descans
e em paz, papai!"
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