Imagine: você está subindo a escada em direção ao sótão de
sua avó. Ali, se ela for como as senhoras dos filmes, irá encontrar diversas
caixas com fotografias, roupas, documentos, algumas fitas e CDs. Pergunte a ela
o que aquilo tudo está fazendo trancado ali e, talvez, a resposta seja juntando
pó. Mas não se iluda! São muito mais do que simples bugigangas: são memórias.
Vamos olhar a primeira caixa, na qual está escrito memórias
políticas. Ao abri-la, provavelmente você irá encontrar recortes de jornais e
revistas. Essas lembranças não dizem respeito apenas à sua avó: elas revelam
acontecimentos que fazem as pessoas se identificarem umas com as outras, algo
fundamental para a formação de um povo. Tais recordações são muito mais que
recortes de jornais: elas são um patrimônio a ser preservado.
Mas, vamos à próxima caixa, com a etiqueta memórias biológicas.
Ali, você encontrará documentos e exames, como o teste do pezinho de sua avó e o
raio-x de quando ela quebrou o braço. Essas memórias dizem respeito,
literalmente, ao nosso corpo. São informações que foram guardadas por nossos
ancestrais para que pudéssemos sobreviver. Ou seja, aquele ditado “ninguém
nasce sabendo” caiu por terra, pois já viemos ao mundo sabendo como nosso
coração deve bater, como devemos respirar e que precisamos comer: são nossos
instintos. Aos poucos, acrescentamos a eles novas memórias para facilitar a
convivência em sociedade, como falar e escrever.
Por fim, chegamos a uma caixa muito especial: as memórias
pessoais, onde sua avó guarda tesouros: a boneca preferida e o vestido que usou
em seu casamento. A essa altura, talvez, ela já não se lembre de tudo com
clareza e você fale sobre a invenção de uma pílula na Universidade da
Califórnia que ajuda as pessoas a recuperarem sua capacidade de memória. Mas,
não se esqueça, essas lembranças constituem quem ela é: seus gostos, sonhos e
realizações, pois, assim como para Cecília Meireles “São todas as coisas uns
momentos” , todas as pessoas são suas memórias.
sexta-feira, 3 de julho de 2015
domingo, 3 de maio de 2015
Lanterna dos Finados
Com o fim do Império Romano do Ocidente, a Igreja Católica
foi a única instituição a resistir ao colapso, tornando-se um farol na vida dos
perdidos marujos da Idade Média. Entretanto, apesar de prometer uma vida após a
morte, não era exatamente boazinha: sentenciava os pecadores, sem dó e nem
piedade, a arder no mármore do inferno.

Seguindo o mesmo estilo de Farsa de Inês Pereira, Gil Vicente busca os chamados
personagens-tipo: cada alma penada que passa pelo cais representa, não alguém
em particular, e sim um vício (algo condenável) ou uma virtude (algo louvável).
Dessa maneira, o autor buscava educar pelo riso, provocando situações irônicas
e satíricas, mas, acima de tudo, cômicas. Entretanto, se na Farsa busca um teatro cômico focando no
amor cortês, no Auto da barca busca
um teatro cômico voltado para a crítica a moral da sociedade.
Um texto atemporal. Creio que é a melhor definição para dar
a tal peça. Se Gil Vicente buscava por meio desta chamar atenção ao desacato a
moral feito pelos europeus no século XVI, pode ser chamado de adivinho, pois
encaixa-se também no período de descaso que vivemos hoje em dia.
Ou então, não era ele o profeta e sim a sociedade que,
apesar de gostar de dizer que saiu da “Idade das Trevas”, não livrou-se de suas
alegorias.
quarta-feira, 21 de janeiro de 2015
Adeus Infância
Surgem novos relatos da Segunda Guerra Mundial. Porém estes merecem um destaque especial, afinal eles eram apenas crianças.
Hoje em dia, fala-se muito em direitos da criança e do adolescente, entretanto, nem sempre o assunto foi prioridade. Houve tempos em que crianças e jovens foram soldados, usados como fonte de renda, ou manipulados pelas escolhas dos adultos, sem poder se defender.
Entre 1939 e 1945 houve um episódio extremamente vergonhoso para a humanidade: a Segunda Guerra Mundial. Hitler despontava com seus ideais de uma raça pura formada apenas por descendentes de germânicos, e reestruturação da Alemanha como uma potência Imperialista, para recuperar o prestígio perdido ao fim da Primeira Guerra.
Enquanto acontecia o conflito armado e muitos soldados tombavam em campo de batalha, em outros campos, outros guerreiros lutavam pela sobrevivência.
Tendo como pano de fundo tão terrível cenário, aconteceu ainda outro terrível episódio: o Holocausto, a famosa perseguição aos judeus. Hitler considerava-os culpados pela falha alemã durante a guerra, já que eram muito influentes na economia, logo qualquer um que pertencia a essa “raça” era inferior, e devia ser subjugado. Esse processo de subordinação teve fases: primeiramente os judeus foram proibidos de interagir com outros alemães e deviam ostentar uma braçadeira com uma estrela amarela que os denunciava. Após certo tempo foram proibidos de ter cidadania alemã e passaram a ser mandados para campos de trabalho forçado, nos quais apenas quem demostrava capacidade de trabalhar era passível de "perdão", aqueles que não conseguiam trabalhar eram mandados para câmaras de gás e mortos. Tal pesadelo só teve fim quando a Rússia invadiu a Alemanha e fechou todos os campos.
Hitler era um hábil orador e buscava influenciar, principalmente, os jovens, elaborando uma verdadeira lavagem cerebral. Os mancebos alemães deviam frequentar escolas onde aprendiam desde pequenos a seguir seu poderoso líder: Juventude Hitlerista (para meninos) e Liga das Meninas (para meninas). Os pais de deviam ser filiados do Partido Nazista, e nenhuma ordem que partisse do governo devera ser desrespeitada, incluindo abrigar um judeu ou recusar-se a mandar seu filho como colaborador da luta nazista.
Nesse contexto, surgiram registros de duas histórias particularmente interessantes: Liesel Meminger e Bruno.
Recentemente, foi encontrado um diário escrito por uma menina de quatorze anos, mas quefoi iniciada aos horrores da guerra aos dez: Liesel Meminger, mais conhecida como roubadora de livros tinha pais comunistas que, para protegê-la, entregaram-na a adoção juntamente com o irmão, que tragicamente morreu antes de chegar a seu destino. No enterro deste a menina realiza seu primeiro roubo: furta ”O manual do Coveiro”. Chegando à Rua Himmel, conhece sua nova família: Hans Huberman, um ex- soldado, pintor de paredes e acordeonista não filiado ao partido em débito com um judeu; e Rosa Huberman, uma senhora que lava roupa para fora para complementar a renda doméstica e tem um vocabulário extremamente chulo. Na Rua Himel, Liesel deveria ter uma infância normal: amigos, escola, brincadeiras e família, contudo não é isso que acontece. Em meio à tensão da guerra, seu pai abriga um judeu (ato condenável, no momento vivido por eles) como pagamento de sua antiga dívida, e a menina torna-se amiga deste, só para depois vê-lo partir.
Uma história impressionante de uma menina que viveu o lado nazista da guerra, mas com opiniões muito divergentes das impostas pelo governo. Lendo seu diário podemos compreender como a Guerra a endureceu, levando tudo o que amava: os pais biológicos, o irmão, melhor amigo, pais adotivos, livros... Ah, os livros! Apenas uma lembrança de sua vida sobreviveu: o pequeno diário no qual contou sua história. E agora esse impressionante (e intrigante) relato é publicado sob o título: “A menina que roubava livros”.
Em contrapartida Bruno, um menino de nove anos filho de comandante, não faz ideia do que está acontecendo. O menino residente de Berlim descobre que irá mudar-se para Haja-Vista (na verdade o campo de concentração de auschwitz, porém o menino não sabe como pronunciar esse nome, assim como Führer que ele diz ser o Fúria) por conta do trabalho do pai, (que ele também não sabe exatamente o que é, apenas que é importante). Ao olhar pela primeira vez pela janela, o menino vê algo estranho: pessoas vestindo pijamas listrados do outro lado de uma cerca. Depois de um tempo, sentindo-se entediado, ele sai para explorar e acaba por encontrar Shmuel, um judeu que está do outro lado da cerca. Os meninos conversam, e por meio dos diálogos, podemos perceber que nenhum deles sabia por que estavam ali: um em cada lado da cerca. Quando a mãe de Bruno resolve voltar para Berlim com ele e a irmã, Gretel, este planeja ajudar o amigo a encontrar o pai. Contudo, ao entrar no outro lado da cerca, acaba morto em uma câmara de gás.
Nesse relato, encontrado dentro de um livro sobre exploração, vemos a inocente visão de uma menino que não fazia ideia do que acontecia à sua volta, e que ninguém parava para explicar. Agora também é publicada com o título: “O menino do pijama listrado”.
Em ambos os casos, a Guerra tirou algo muito importante das crianças: a inocência. Quando se é jovem, tudo o que aseia-se é ter amigos, brincar e aprender. Durante a Guerra esse direito é cruelmente tirado. A menina perde tudo o que ela conhece e ama em um bombardeio, e o menino perde a própria vida por não saber da maldade dos homens.
Estamos acostumados a ouvir as atrocidades cometidas na Guerra, entretanto a maior parte dos relatos conta a batalha, deixando o mais terrível de fora: a invasão das paredes dos lares, levando as almas inocentes e transformando corações infantis em pedras para resistir as perdas.
Poucos registros são encontrados, graças aos bombardeios que destruíam vilarejos e cidades. As histórias de judeus são ainda mais difíceis de encontrar. As duas crianças em questão trazem a tona um convívio com a cultura judaica ,como seres humanos, não animais, mostrando quão frágeis eram as alegações de Hitler, se as pessoas parassem apenas um momento para pensar, porém o desespero de reconstruir sua nação foi maior que o sentimento de humanidade. Hans Huberman foi um dos poucos que se manteve lúcido, e seu fim foi a morte.
Mas por que esses registros recebem tanto destaque? Porque trazem uma visão diferente da guerra. A visão de alguém que não entendia, mas estava ali envolvido, sem poder opinar e sem ninguém que se importasse com sua opinião. Se os adultos tivessem parado para pensar como as crianças, que não julgam pela raça ou cor de pele, veriam como essa guerra era infundada e muitas vidas seriam poupadas. Mas, como escreveu Antonie de Saint-Exupéry: “As pessoas grandes não compreendem nada sozinhas, e é cansativo, para as crianças, estar a toda hora explicando”.
Entre 1939 e 1945 houve um episódio extremamente vergonhoso para a humanidade: a Segunda Guerra Mundial. Hitler despontava com seus ideais de uma raça pura formada apenas por descendentes de germânicos, e reestruturação da Alemanha como uma potência Imperialista, para recuperar o prestígio perdido ao fim da Primeira Guerra.
Enquanto acontecia o conflito armado e muitos soldados tombavam em campo de batalha, em outros campos, outros guerreiros lutavam pela sobrevivência.
Tendo como pano de fundo tão terrível cenário, aconteceu ainda outro terrível episódio: o Holocausto, a famosa perseguição aos judeus. Hitler considerava-os culpados pela falha alemã durante a guerra, já que eram muito influentes na economia, logo qualquer um que pertencia a essa “raça” era inferior, e devia ser subjugado. Esse processo de subordinação teve fases: primeiramente os judeus foram proibidos de interagir com outros alemães e deviam ostentar uma braçadeira com uma estrela amarela que os denunciava. Após certo tempo foram proibidos de ter cidadania alemã e passaram a ser mandados para campos de trabalho forçado, nos quais apenas quem demostrava capacidade de trabalhar era passível de "perdão", aqueles que não conseguiam trabalhar eram mandados para câmaras de gás e mortos. Tal pesadelo só teve fim quando a Rússia invadiu a Alemanha e fechou todos os campos.
Hitler era um hábil orador e buscava influenciar, principalmente, os jovens, elaborando uma verdadeira lavagem cerebral. Os mancebos alemães deviam frequentar escolas onde aprendiam desde pequenos a seguir seu poderoso líder: Juventude Hitlerista (para meninos) e Liga das Meninas (para meninas). Os pais de deviam ser filiados do Partido Nazista, e nenhuma ordem que partisse do governo devera ser desrespeitada, incluindo abrigar um judeu ou recusar-se a mandar seu filho como colaborador da luta nazista.
Nesse contexto, surgiram registros de duas histórias particularmente interessantes: Liesel Meminger e Bruno.
Recentemente, foi encontrado um diário escrito por uma menina de quatorze anos, mas quefoi iniciada aos horrores da guerra aos dez: Liesel Meminger, mais conhecida como roubadora de livros tinha pais comunistas que, para protegê-la, entregaram-na a adoção juntamente com o irmão, que tragicamente morreu antes de chegar a seu destino. No enterro deste a menina realiza seu primeiro roubo: furta ”O manual do Coveiro”. Chegando à Rua Himmel, conhece sua nova família: Hans Huberman, um ex- soldado, pintor de paredes e acordeonista não filiado ao partido em débito com um judeu; e Rosa Huberman, uma senhora que lava roupa para fora para complementar a renda doméstica e tem um vocabulário extremamente chulo. Na Rua Himel, Liesel deveria ter uma infância normal: amigos, escola, brincadeiras e família, contudo não é isso que acontece. Em meio à tensão da guerra, seu pai abriga um judeu (ato condenável, no momento vivido por eles) como pagamento de sua antiga dívida, e a menina torna-se amiga deste, só para depois vê-lo partir.
Uma história impressionante de uma menina que viveu o lado nazista da guerra, mas com opiniões muito divergentes das impostas pelo governo. Lendo seu diário podemos compreender como a Guerra a endureceu, levando tudo o que amava: os pais biológicos, o irmão, melhor amigo, pais adotivos, livros... Ah, os livros! Apenas uma lembrança de sua vida sobreviveu: o pequeno diário no qual contou sua história. E agora esse impressionante (e intrigante) relato é publicado sob o título: “A menina que roubava livros”.
Em contrapartida Bruno, um menino de nove anos filho de comandante, não faz ideia do que está acontecendo. O menino residente de Berlim descobre que irá mudar-se para Haja-Vista (na verdade o campo de concentração de auschwitz, porém o menino não sabe como pronunciar esse nome, assim como Führer que ele diz ser o Fúria) por conta do trabalho do pai, (que ele também não sabe exatamente o que é, apenas que é importante). Ao olhar pela primeira vez pela janela, o menino vê algo estranho: pessoas vestindo pijamas listrados do outro lado de uma cerca. Depois de um tempo, sentindo-se entediado, ele sai para explorar e acaba por encontrar Shmuel, um judeu que está do outro lado da cerca. Os meninos conversam, e por meio dos diálogos, podemos perceber que nenhum deles sabia por que estavam ali: um em cada lado da cerca. Quando a mãe de Bruno resolve voltar para Berlim com ele e a irmã, Gretel, este planeja ajudar o amigo a encontrar o pai. Contudo, ao entrar no outro lado da cerca, acaba morto em uma câmara de gás.
Nesse relato, encontrado dentro de um livro sobre exploração, vemos a inocente visão de uma menino que não fazia ideia do que acontecia à sua volta, e que ninguém parava para explicar. Agora também é publicada com o título: “O menino do pijama listrado”.
Em ambos os casos, a Guerra tirou algo muito importante das crianças: a inocência. Quando se é jovem, tudo o que aseia-se é ter amigos, brincar e aprender. Durante a Guerra esse direito é cruelmente tirado. A menina perde tudo o que ela conhece e ama em um bombardeio, e o menino perde a própria vida por não saber da maldade dos homens.
Estamos acostumados a ouvir as atrocidades cometidas na Guerra, entretanto a maior parte dos relatos conta a batalha, deixando o mais terrível de fora: a invasão das paredes dos lares, levando as almas inocentes e transformando corações infantis em pedras para resistir as perdas.
Poucos registros são encontrados, graças aos bombardeios que destruíam vilarejos e cidades. As histórias de judeus são ainda mais difíceis de encontrar. As duas crianças em questão trazem a tona um convívio com a cultura judaica ,como seres humanos, não animais, mostrando quão frágeis eram as alegações de Hitler, se as pessoas parassem apenas um momento para pensar, porém o desespero de reconstruir sua nação foi maior que o sentimento de humanidade. Hans Huberman foi um dos poucos que se manteve lúcido, e seu fim foi a morte.
Mas por que esses registros recebem tanto destaque? Porque trazem uma visão diferente da guerra. A visão de alguém que não entendia, mas estava ali envolvido, sem poder opinar e sem ninguém que se importasse com sua opinião. Se os adultos tivessem parado para pensar como as crianças, que não julgam pela raça ou cor de pele, veriam como essa guerra era infundada e muitas vidas seriam poupadas. Mas, como escreveu Antonie de Saint-Exupéry: “As pessoas grandes não compreendem nada sozinhas, e é cansativo, para as crianças, estar a toda hora explicando”.
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